domingo, 7 de julho de 2013

Manu e o pão da vida



Manu era ainda jovem, muito jovem, quando conheceu Camar. Viu-a amassar um pão, deixar a massa aguardando na bacia por horas para depois pacientemente abri-la, e achou tudo muito demorado e pouco prático. "Por que não coloca a massa no forno de microondas?", perguntou a ela. 
Camar sorriu e sentou-se, serviu um café e o adoçou com açúcar mascavo, como sua avó fazia, e o ofereceu a Manu. 
"Sabe", disse Camar, "nunca entendi como alguém pode fazer duas coisas ao mesmo tempo. Mas me parece que é o que todos tentam fazer atualmente...É como tentar caminhar com uma perna em cada margem do rio, para ver as duas margens de uma vez só...você precisa das duas pernas juntas pra caminhar, não é? Esta é a lei da vida, assim fomos criados...o pão que faço, leva fermento biológico. O fermento da Vida...E o fermento, e a vida, precisam de tempo pra crescer, e para todas as coisas que estão dentro da massa poderem revelar a si mesmas. Posso fazer um pão nestes fornos modernos, com fermentos rápidos, mas ele não terá o mesmo sabor, porque não dei à Vida o tempo que ela precisa para a maturação.

Você já me perguntou noutro dia sobre minha estante de livros...livros velhos, de capas manchadas por mãos de várias gerações que muito os manusearam..."pra que guardar essas velharias, Camar, se vc pode ler tudo na internet?" você me indagou. Mas eu gosto, Manu, da sensação de ter a estória entre minhas mãos...e poder sentir demoradamente cada palavra, onde quer que eu esteja. Adoro ler debaixo das laranjeiras, na minha rede...sei que eu poderia levar os equipamentos modernos pra lá, mas eles não têm a simples praticidade de um livro, que não quebra ao cair ao chão, não precisa de energia nem baterias, e tem a paciência e a humildade dos anjos, permitindo ser compartilhado, emprestado, doado, lido e relido, revirado, revisitado, seja à luz da candeia ou da eletricidade. Assim, as palavras vão germinando lentamente dentro de mim, botando folhas, desabrochando em idéias... 

 Não que eu não goste das modernidades que me dão conforto e poupam muito trabalho...mas algumas coisas ainda têm que ser feitas como nos velhos tempos, com paciência, dando tempo à vida. Assim você deve crescer, Manu, sem que ninguém acelere seu ritmo pra caber na moda do imediato, porque assim como um bom pão, um bom caráter precisa de tempo e esforço e de mãos firmes pra ser moldado e acabado...