domingo, 15 de setembro de 2013

As Mãos Vazias do Cristo



Quando a luz da madrugada tremeluzente luzia
Janúncio pegou a enxada e foi ao labor do dia
Passando pela igrejinha, em sinal de reverência,
fez o sinal da cruz, pra Deus ter dele clemência.
Mas a sua alma encravada em corpo robusto e sadio,
de dúvidas era cercada: seu coração era frio.
Era simples, o Janúncio,
como milhões de outros tantos,
que não sendo bandidos nem santos
são cidadãos dormentes do mundo
​Que​ se deitam letárgicos à estrada
para que por eles passe
o comboio das ilusões
que os encontra, modorrentos,
fecundos mas sonolentos,
vivendo ao sabor dos ventos
e ao pendor de suas paixões.

Certo dia entrou na igreja um Janúncio enfastiado,
viu o Cristo em seu estrado
de mãos vazias​,​ chamando.
Em sua mente pareceu 

que o Cristo era assim o modelo
do povo pobre, sofrido, que nada tinha de si
a não ser o pão dormido que servia de alimento
que vivia sem alento e precisava de rezas
que era culpado de algo 

desde o princípio dos tempos
que precisava de trilhos para seguir o comboio
e se assemelhava ao trigo, sufocado pelo joio.
Tudo isso fundo calava no coração do Janúncio.
Sua visão se turvava, mas lá do fundo sentia
crescer uma idéia furtiva, ao olhar de novo o Mestre
que sobre o estrado jazia:

Nas mãos vazias do Cristo
cabem todas as virtudes
também erradas atitudes
com que todos viemos à luz
Ele nos estende as mãos limpas
e cheias de liberdade
pra vivermos com sinceridade
os preceitos de Jesus
as mãos vazias do Cristo
nos falam do colo amigo,
do acolhimento irrestrito,
pois não somos pecadores
(não mais que pardais e flores).

Nosso engano foi esquecer
da fonte que nos gerou:
limpa, serena, excelente
que a alma não mais dormente
pode encontrar somente
no momento em que acordou.




Bíndi 

*Imagem: Cristo de mãos vazias - Flávio Scholles